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ROSANA PICCOLO
( São Paulo – Brasil)
Rosana Piccolo, publicitária e poeta paulistana, nasceu a 26 de maio de 1955. Formada em Filosofia, pela Universidade de São Paulo – USP.
Vive em Curitiba. Autora dos livros Ruelas profanas (Nankin, 1999), Meio-fio (Iluminuras, 2003), Sopro de vitrines (Alameda, 2010), Refrão da fuligem (Patuá, 2013), Bocas de lobo (Patuá, 2015), além da plaquete O pão (Lumme, 2017). Organizadora da antologia MedioCridade (Laranja Original), ao lado do poeta Rubens Jardim. Participação em diversas antologias e revistas literárias.
I
vezes a górgona
o venenoso cabelo
vezes a amêndoa vermelha
na palma dos ressuscitados
vezes um dente da lua
cavalo celta, crânio-pingente
vezes o fole de um acordeon
lata de peixe
fiação
vezes o coro do vento
vezes nada
só o pensamento das árvores negras
V
creio na sereia das esquinas
oculta na tragada do cigarro
que guardo entre os seios
na sereia rueira
creio no círculo
na equação devir-memória
escrita
na palma da mão
quero a sereia inconformada
quando na praça pousam cegonhas do frio
ROTEIRO DA POESIA BRASILEIRA: ANOS 90. Seleção e
prefácio Paulo Ferraz; direção Edla van Steen. São Paulo:
Global, 2011. (Coleção Roteiro da Poesia Brasileira)
ISBN 978-85-260-1156-4 Ex. bibl. Salomão Sousa
METRÔ SEM DESVIOS
Não tem ponto de partida o movimento, em túneis e pontes vorazes. Unindo a rosa dos ventos, o miolo da flor, sublevações na catedral. A rapidez não vacila, em luzes sem freios guiando-lhe os olhos na rota de fogo — é o laço das artérias, a curva perigosa, volúpia de pastas e cromo alemão.
Eis o imperador da megalópole, riscando a cidade em desvios escarlates. Na planta dos bairros, sem noite, sem dia, ganância de novos grafites. Luxo e necessidade convivem nos vagões ambiciosos, o come espicha sua cauda até a boca do mar. Sobre as águas sacrificadas, o assombro das estrelas e raios migrantes.
E segue. E segue. E segue. Nas escadas rolantes, andarilhos, bárbaros e guerreiros, mulheres perdidas —
raças, bandeira e crenças, sinas e pavios bruxuleantes. Subterrânea, subliminar, ríspida fórmula de ávida serpente. Que segue, e segue e prolongadamente segue. Em caras pintadas, lavadas, honradas — prelúdio dos anjos de terno e gravata.
Ruelas profanas (1999)
SURFE NO ASFALTO
É o vândalo. Na roupa folgada e com a mesma bandana, desejo algum que não a rua, transformada em mar nos seus confins. O trajeto, vaivém azul por ondas improvisadas, praia sem veleio nem tatuagem, refrão de gírias urbanas, periféricas, tribais.
A tarde, que nem é útil, nem esportiva, nem de verão, oculta a rampa irresistível. E se esfola em pranchas e má fama, rangem rodas, rola o carrinho e a desforra, o palavrão e a polícia. A tarde, que nem é vestígio, nem moldura e nem registro, fecha a vidraça e a revista. Nem esboço, nem rabisco, a tarde é um tédio de novelas.
Meio-fio (2003)
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Página ampliada e republicada em junho de 2022
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